quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Andar de bicileta, ler e escrever.


       Aprendemos a andar de bicicleta, andando de bicicleta.
      Aprendemos a dirigir um carro, dirigindo um carro.
      Quando aprendemos a andar de bicicleta, ou a dirigir um carro, começamos inseguros, cometemos erros, caimos da bicleta, deixamos morrer o carro. Mas apenas pedalando e dirigindo, de fato, podemos aprender essas habilidades. Quando estamos aprendendo a dirigir, e vamos de carona, temos o costume de observar o motorista, tentando ver como ele se comporta nas situações de transito, se o respeitamos como motorista, fica sendo o nosso modelo. E continuamos aprendendo a andar de bicicleta, ou a dirigir um carro. Com o passar do tempo, o que era complicado, estressante no ínicio, vai se tornando mais fácil, até que um belo dia temos total controle sobre nosso veículo, pedalamos  rapidamente ou vagarosamente, passamos por lugares que jamais teríamos capacidade de passar antes, a mesma coisa com o carro, estacionamos, damos ré, corremos, ou vamos devagar, trocamos até os pneus. O mesmo caso acontece com o domínio da escrita. Aprendemos a escrever, escrevendo. Ninguém aprende a andar de bicicleta, ou dirigir carro assitindo aulas sobre as partes do veículo. O véiculo da escrita é metaforicamente semelhante. Precisamos ter contato com a escrita, utilizá-la, só então é possível utilizá-la com total domínio. Primeiramente nosso aluno deve ter a capacidade de registrar seu pensamento por escrito, o que só se faz tentando, nesse meio tempo, nosso aluno pode cair da bicicleta, mas cair da bicicleta não tem tanto problema assim, o que não podemos deixar é que ele bata o carro mais a frente. Dando nome aos bois, é melhor que o nosso aluno utilize a escrita e erre, do que não erre e nao utilize a escrita, pois de tanto usá-la acabara adquirindo domínio. Entra aqui o papel do professor, o de servir como uma espécie de porto seguro com o qual o aluno pode contar quando em dificuldades no uso da escrita, não só isso, o professor deve mostrar o caminho, explicar como desviar das pedras, mas a travessia é do aluno. O ensino da gramática deve estar subordinada ao aprendizado da expressão escrita. Produção escrita, análise da produção, e reescrita, nessa ordem. Ninguém acentua corretamente uma palvra porque ela é uma proparoxitona termina na letra que for, acentuamos as palavras porque lembramos que aquela palavra tem acento, lembramos que aquela palavra tem acento escrevendo-a e sendo corrigidos, e lendo-a em textos. Tudo isso que eu disse não é nenhuma novidade. Qualquer sujeito que passou por um processo efetivo de letramento entende o que digo. Porque então as escolas não perceberam isso? Que cegueira é essa que assola nossas praticas em sala de aula? O professor sabe que eu tenho razão, o diretor do colégio também, o ministro da educação muito provavelmente também sabe disso. Os alunos têm total consciência da inutilidade do atual modelo conteudista ainda em vigor . Como continua a escola a exigir de seus alunos boas redações se estes dificilmente têm contanto com as instâncias mais formais da língua escrita? Melhor dizendo, a escola os coloca em contato com instâncias formais da língua escrita, mas o fazem com um total despreparo, abruptamente, desejam que da noite para o dia o nosso aluno a domine e ficamos atônitos quando vemos suas quedas, que são na verdade deslizes naturais de quem não tem familiaridade com aquele véiculo, ainda.
      A leitura é outro ponto importante, no qual novamente a escola tem desempenhado um papel cruel. Aprecio a metáfora do exercicio físico, pois mesmo sendo a leitura um exercício mental, assim como aquele precisa-se de prática efetiva, para efetivos resultados. Ninguém corre quilômetros, ou faz levantamentos repetitivos de cinquenta quilos de uma vez. Corremos curtos trechos e vamos aumentando, levantamos pequenos pesos e vamos aumentando. Assim é com a leitura, nenhum de nós conseguiria entender leituras mais extensas ou complexas se não tivermos começado entendendo leituras mais curtas e mais simples. Mas o que acontece na escola é justamente o contrário. Colocamos nossos alunos para levantarem muito mais do que podem carregar de príncipio, damos 50kg, quando deveríamos ter dado 5kg. O quanto mais não ganharíamos se lêssemos gibis com nossos alunos. Os gibis não são literatura barata e descartável, foram feitos por seres-humanos, carregam seus traçõs, pensamentos, valores, ideologias, a descoberta desses pensamentos, valores, ideologias é  a leitura em sentido amplo, sonho de qualquer professor de português. Do gibi iremos para as crônicas, da crônica para livros que eles gostem, dos livros que eles gostem, para os livros que eles precisam, pelos motivos que forem, ler. Com isso me despeço, abraço, Kainã.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Norma culta Brasileira X Norma Padrão, a Tentativa de Um Debate.


Olá, gostaria de saber se a despeito de nossas profundas divergências quanto ao modo como enxergamos a língua portuguesa, poderíamos conversar a respeito dessas idéias, você é realmente uma pessoa muito inteligente, que expõe muito claramente suas idéias. A princípio pensei que o senhor não possuía conhecimento de linguística, pois suas afirmações vão contra tudo em que acreditamos. Crenças estas baseadas em nosso estudos. Mas ao lê-lo pude perceber que você possui sim um notável conhecimento de línguística, e queira me perdoar, um notável desconhecimento também. Ainda sim, não pretendo aqui de forma alguma tentar mudar seu pensamento, e nem o senhor a mim. O que eu mais gostaria é de entender melhor seu pensamento. Um dos temas centrais de sua explanação em "A degradação da língua portuguesa" 2008, pode ser resumida, grosso modo, em: o brasileiro fala mal o português. Não quero entrar nesse (infrutífero) mérito, a questão é que se o brasileiro fala mal é porque erra. É sobre isso que pretendo perguntar. O que é considerado erro pelo senhor? Existiriam, para você, erros "comuns" que de tão comuns entre os brasileiros, mesmo entre os mais cultos e letrados, na verdade não são erros, e sim inovações legítimas, pois por mais que uma normatização seja efetiva a língua não é estática?
O senhor acha que a norma contida nas gramáticas é a norma culta? Mesmo quando escritores consagrados, hoje e ontem não seguiram ou não seguem alguns/vários desses preceitos? Minha questão é: existe uma norma culta típica do português usado pelos brasileiros, ou o nosso referencial gramatical deve ser lusitano? Refiro-me a coisas como a regência do verbo namorar como transitivo direto (regência clássica) ou como transitivo indireto (regência "moderna"), ou então "assistir ao jogo" em contraposição a "assistir o jogo" . Nesses casos, por exemplo, você considera erro, ou o jeito comum do brasileiro, mesmo letrado, utilizar os verbos em questão?. Atento para o fato de que a regência moderna "com" do verbo namorar traduz o matiz semântico de companhia, cooperação. Talvez, ao dizermos "estou namorando com x" estamos significando algo diferente de "estou namorando x". Mas uma parte da gramática tradicional diz que namorar como transitivo indireto é erro, outras dizem que não. O que fazer? Qual é o padrão de correção que, em sua opinião, deve vigorar?
Talvez meu texto tenha ficado um pouco confuso, muita coisa para dizer, sem querer me delongar de mais, aqui fica o meu convite para um debate respeitoso acima de tudo, e, espero eu, muito proveitoso.
Com isso me despeço, Kainã.


Carta de resposta ao artigo "A degradação da língua portuguesa" 2004, escrito por Arthur Virmond de Lacerda Neto, disponível no endereço eletrônico: http://arthurdelacerda.spaces.live.com/?_c11_BlogPart_pagedir=Next&_c11_BlogPart_handle=cns!754449FAEB345E0A!229&_c11_BlogPart_BlogPart=blogview&_c=BlogPart, o qual reproduzo abaixo:


                                                              A degradação da língua portuguesa

                                                                               2004


            É fato observável diariamente que a forma falada do português no Brasil vem sofrendo um declínio crescente em sua qualidade. A um vocabulário dramaticamente pobre, somam-se a perda dos plurais, da preposição “de”, da terminação “mente” nos advérbios de modo, a ausência de concordância de gênero e  modo, o desuso dos acentos e dos sinais gráficos, notadamente as vírgulas, a proliferação dos modismos e das gírias, a incapacidade, mesmo de estudantes universitários, de redigirem corretamente, a introdução da sintaxe do idioma inglês (como a predominância  equivocada do advérbio “para” e o gerúndio após o infinitivo).
                        Nada disto se verifica em Portugal, cujo linguajar apresenta diferenças vocabulares, de que o viajante brasileiro facilmente se apercebe e exagera com freqüência, a exemplo de “peão” por “pedestre”, “bica” por “cafezinho”, “guarda-redes” por “goleiro”.
                        Brasileirismos de um lado, lusitanismos de outro, a existência de  uns e de outros indica apenas a de termos que se desenvolveram em lugares geográficos específicos, no âmbito do idioma comum aos dois países. Cuidam-se de localismos incapazes de caracterizar uma língua “brasileira”, em contraste com o “português de Portugal”, da mesma forma como os do Rio Grande do Sul ou da Bahia não autorizam cogitar-se de um idioma gaúcho nem de um baiano.
                        Idiomas distintos são, por exemplo, o português face ao russo e este perante o chinês,  jamais o português empregado entre nós defronte ao vigente em Portugal: qualquer brasileiro percebe José Saramago e qualquer português entende as telenovelas brasileiras.
                        Lá e cá, o idioma consiste precisamente no mesmo, com  distinções suaves de vocabulário e de sintaxe, e mais agudas de pronúncia, que encarnam meras variantes do uso de uma só língua.
             Entre estas variações há, porém, uma diferença radical, na verdade a única: a qualidade com que se emprega o idioma aquém e além-mar. Enquanto o português médio, inclusivamente as crianças, sabe a língua e empenha-se por empregá-la corretamente, no Brasil passa-se de regra o inverso:  não correspondendo entre nós o idioma a um valor cultural, prevalecem face a ele o descaso e o desleixo, e impera a lei do menor esforço.
            Não se diga que nisto  exatamente radica a nossa peculiaridade idiomática:  as gírias, os modismos, os estrangeirismos,  a tolerância dos mais crassos erros, a negligência gramatical, representam formas de um povo  inferiorizar-se face a si próprio e perante o estrangeiro, e não de adquirir qualidades com que afirme o seu valor.
            Inferiorizamo-nos face a nós próprios, porquanto  em décadas anteriores falou-se no Brasil com uma qualidade da qual decaímos; perante o estrangeiro, pois, cotejado o desempenho lingüístico do brasileiro  médio com o do  português em geral, o resultado evidentemente desfavorece-nos.
            Que  nos falta  aos brasileiros em matéria de idioma? As convicções de  encarnar ele um bem cultural pelo qual é preciso zelar, a de que sabê-lo a sério representa uma forma de qualificação pessoal e a de que utilizá-lo competentemente é  útil e vantajoso para ser-se entendido com exatidão.
            Tal quadro agrava-se com a distinção especiosa entre as formas oral e escrita da língua, em que alegadamente  deveria a segunda reger-se gramaticalmente, à primeira consentindo-se todas as liberdades. Representariam, a primeira, a modalidade coloquial do idioma;  a segunda, a culta.
            Ora, a maioria esmagadora das comunicações entre as pessoas desenvolvendo-se oralmente e não por escrito, deve-se antes saber-se falar corretamente, do que escrever-se literariamente. Há um verdadeiro contra-senso em considerar-se aceitável a desqualificação na forma por excelência de comunicação, aquela que as pessoas, sem exceção, praticam dia após dia ao longo de toda a sua vida, reputando-se, por outro lado, necessário o domínio gramatical do idioma somente ao empregamo-lo por escrito, caracterísica de algumas profissões apenas, como a advocacia, em que a inépcia lingüística evidencia-se nas gerações mais novas. Também nas mensagens eletrônicas, tão difundidas, multiplicam-se os erros, revelando a incapacidade do brasileiro médio de redigir algumas linhas com um mínimo de correção, como  seria de esperar em pessoas alfabetizadas.
            A associação entre forma oral e incorreção, por um lado, e entre forma escrita e correção por outro, é meramente descritiva, e não prescritiva. Ela descreve a realidade como a observamos no Brasil e não como ela poderia ou deveria apresentar-se. De constatarmos um certo estado de coisas, não se segue que nele se encontre o ideal, o desejável ou  o melhor.
             Ora, a falácia daqueles binômios consiste em admitir-se como prescritivo o que é apenas descritivo, em reputar-se que o que é, deve ser,  atribuindo-se uma relação de inerência entre a oralidade e a má qualidade, como se por definição todo idioma fosse necessariamente mau falado,  quando o desempenho dos europeus em geral, dos argentinos, dos chilenos (e  de outros povos certamente) demonstra exatamente o inverso disto.
            Definir o falar como mau falar equivale a coonestar a ignorância e de conseqüência mantê-la, sob a ilusão de que o estado normal da atuação idiomática de um povo é aquele em que ela se nivela por baixo, em que a ignorância assume a condição de  fatalidade ou de naturalidade ao invés de consistir em um mal a combater.
            De alguns anos a esta parte despontou, é fato, um certo interesse pelo aprendizado da norma culta do idioma, origem de  programas televisivos, livros e artigos em diários, voltados ao seu ensino. Reconheceu o brasileiro a sua insuficiência no bem falar e no bem redigir, que procura sanar, embora fosse preferível que não tivessemos chegado a esta  situação, cuja origem encontra-se: 1º) na ausência do hábito da leitura, ou seja, na inexistência de contato  permanente com a utilização melhor do idioma, com aquela que destina-se naturalmente a servir de exemplo, 2º) no surgimento de uma mentalidade favorável à mediocrização do uso da língua, resultante         2º-a) da distinção equivocada, já referida, entre as formas oral   e  escrita  do uso idomático,  adotada pelos professores de português nas escolas, que assim        2º-b) desencorajam a juventude a  aplicar o que estuda e a induz a enxergar no conhecimento do idioma algo vazio de sentido e de conseqüência inútil, o que por sua vez     2º-c) conduz fatalmente à ignorância do idioma, ignorância que passa a entender-se como normal e portanto aceitável.
             Tal realidade agrava-se com a convicção ideológica de que  toda regra lingüística representa uma forma de dominação de certas classes sobre outras e que portanto desprezá-la permite ao dominado subtrair-se a esta mesma dominação, quando na verdade,  a ser verdadeira a premissa, ocorre precisamente o inverso: quanto menos capazes idiomaticamente, mais dominados serão os que já o são, pois tanto menos compreenderão os textos regidos pelas regras que desdenham. Assim   converter-se-ão os dominados em dominados ignorantes e portanto, mais facilmente domináveis.
            Ao desconhecimento das formas gramaticais é inversamente proporcional a compreensão dos livros em geral, fonte por excelência da cultura, a resultar em que: 1º) sofrendo dificuldades de entendimento, o leitor afasta-se da leitura e, já fracamente letrado, torna-se culturalmente limitado, 2º)  para obterem leitores, alguns autores passam a rebaixar-se ao nível deles, submetendo-se à ignorância em lugar de contribuir para com a sua erradicação, 3º) certa literatura  aproxima-se da fala coloquial ou mesmo a imita, para ser entendida e assegurar-se público leitor, bem assim porque certos escritores dispensam-se de um preparo mais rigoroso, pelo que  4º) a produção literária originada sob tais condições será compreendida  restritamente por quantos comunguem da variante  adotada pelo autor, o que por sua vez 5º) limita o âmbito de leitores ao qual ela vocaciona-se, tornando-a meramente circunstancial ao invés de universalizável.
            Certa corrente  no Brasil, ao enaltecer o coloquial, tacha de preconceituosos o purismo idiomático e o padrão culto da língua. Há preconceito, de fato, no  entronizarem-se como aceitáveis todas as distorções, desde que de origem popular, entenda-se, desde que originárias dos que sabem menos o idioma, nivelando-o por baixo ao excluir o melhor pelo pior.
            Daí: 1º) a substituição da noção de certo e de errado pela de que tudo é certo se proveniente da massa inculta,  2º) a constituição, implicitamente ao menos, de um “direito” à ignorância,  3º) a perda de um referencial comum (gramatical), em que todos os usuários do idioma compreendam-se,  4º) a formação de guetos idiomáticos correspondentes às variações específicas, no tempo e no espaço, ao uso vulgar do idioma.
            Na raiz desta doutrina e da sua ampla obra de inversão axiológica e de aniquilamento da língua portuguesa, encontra-se a ideologia marxista, por inerência voltada ao popular e antipática às formas superiores da cultura, que reputa  expressões dos valores da burguesia e da sua dominação social. “Durante cinqüenta anos a intelectualidade progressista martelou nos nossos ouvidos as seguintes máximas: (a) toda norma lingüística oficial é odioso instrumento de dominação política e de exclusão social; (b) os gramáticos e dicionaristas devem, portanto, limitar-se a registrar os usos lingüísticos da maioria, dizendo amén a todas as mudanças sensatas ou insensatas.
            Hoje essa doutrina é ensinada em todas as escolas brasileiras, e quem quer que ouse contrariá-la se vê esmagado sob o peso de dois argumentos cientificamente irrefutáveis: (a) você é um reacionário; (b) cale a boca”.(CARVALHO, Olavo de, O imbecil coletivo II, Topbooks, 1998).
            Expressão modelar de tal corrente encontra-se no opúsculo “Preconceito lingüístico”, de Marcos Bagno, que profliguei em “Bourdieu e “Preconceito lingüístico”: duas refutações”. Pedidos para o autor: arthurlacerda@onda.com.br .

terça-feira, 20 de outubro de 2009

O ensino da norma culta


Escolhi o espaço “blog” por acreditar que aqui, na internet, eu teria a possibilidade e liberdade de ensinar gramática da norma culta da língua portuguesa do Brasil, do jeito que eu acredito que deva ser ensinado. Não pretendo aqui tratar de outro assunto que não seja o ensino da norma culta, porém nos momentos em que a gramática tradicional se mostrar incoerente, problemática, não há saída, a não ser: compreendermos a incoerência, e para isso lançaremos mão sim das contribuições da ciência da linguagem humana, a linguística. Após conpreendermos a incoêrencia é muito mais tranquilo seguir adiante.

Outro problema sério, porém velho conhecido, que vem afetando de maneira negativa o ensino de língua portuguesa, desde já há muito tempo, é a total desvinculação entre língua e realidade, existente na sala de aula. Qual a serventia do aprendizado de um sistema de regras voltadas prioritariamente para língua escrita (ou oral em registros de alta formalidade, mas ainda sim não é a mesma norma que rege esta última) se os meus alunos não lêem livros, nem revistas, nem jornais. Se não lêem o que terão para escrever? Se não escrevem para que regras de escrita? Esse é um ciclo que eu vou chamar de ciclo da gramática vazia. O ensino da gramática de uma língua associada a considerações sobre seus usos sociais é de extrema valia para todo o processo educativo e não me refiro aqui a usos sociais apenas no sentido de variação regional, linguagem formal e informal, linguagem de internet, email. Nosso aluno pode aprender que a voz passiva não é apenas “O modo pelo qual o verbo expressa que o sujeito da oração recebeu a ação do verbo e forma-se pela locução verbal : verbo auxialiar + particípio do verbo principal no caso da voz passiva analítica e ...” A voz passiva pode deixar o verdadeiro sujeito, o chamado agente da passiva, escondido. Ao colocar o objeto do verbo na posição de sujeito, a voz passiva pode ainda destacar o efeito, obscurecendo a causa. A quem interessa esse tipo de mecanismo gramatical? Compare-se : A companhia de carros X demitiu Ymil funcionários com Ymil funcionário foram demitidos (pela companhia de carros X). Esse tipo de conhecimento, pode ser verdadeiramente prdutivo na hora da leitura das entrelinhas de um texto, e esse concerteza é um dos meus (e de muitos outros) objetivos pessoais como professor de português como língua materna.

É claro que o conhecimento científico parte de um estranhamento, um distanciamento do objeto em análise, no nosso caso a norma culta da língua portuguesa, mas esse distanciamento não pode ser tamanho que ofusque a realidade, pelo contrário, deve expô-la, fornecer ferramentas para sua compreensão crítica, ordenada. Se eu estudo a norma culta do português e isso não me ajuda a compreender e lidar melhor com o mundo ao meu redor, não me tem serventia nenhuma.


Finalizando, o que é pedido de nossos alunos e o nosso dever profissional de professores de lingua portuguesa para com eles, é o domínio da língua formal culta escrita, cujo estandarte, tristemente, é apenas a gramatica tradicional, então é isso que iremos ensinar, porém não precisamos perpetuar, como eu disse, o ciclo da gramática vazia. Com isso me despeço, abraço, Kainã Aguiar Ferreira.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Ditadura da Televisão

As perguntas de 1 a 4 deverão ser respondidas antes da leitura dos textos

1) Você gosta de televisão? Porque?

2) Quantas horas por dia você assiste a televisão?

3) Quais programas você gosta de assistir? Porque? (pelo menos 2 )

4) Quais programas você não gosta de assistir? Porque? (pelo menos 2)

1) Ambos os textos discorrem sobre o mesmo tema: televisão. No entanto, eles apresentam diferenças quanto à forma, estilo, finalidade e distribuição (quem vai receber o texto), tente apontar essas diferenças.

2) Apesar dessas diferenças, notamos que ambos os texto apresentam um conteúdo consideravelmente semelhante, ou seja, eles dialogam entre si, partilham pontos de vista, à isso chamamos inter-texto. Com base no conceito de inter-texto, na música, no texto lido e na definição abaixo, responda os itens que se seguem.

A definição do prefixo “inter” abaixo foi retirada do dicionário eletrônico Houaiss:

“prefixo

culto, da prep. e prevérbio lat. inter 'no interior de dois; entre; no espaço de', formado pela prep. e pref. lat. in(-) 'em, a, sobre; superposição; aproximação; introdução; transformação etc.' (ver in- [2]) + o suf.lat. -ter (ver -ter-); ligam-se ao lat. inter: 1) o adv.lat. intèrim 'no intervalo; entrementes' e o adv. intrinsècus (de *intrim [inter] + secus) 'da parte de dentro, interiormente', ver interi(m/n)- e intrínseco; 2) um adj. *interus 'de dentro, do interior' [paralelo ao gr. énteron, ver enter(o)-], de que se tem conhecimento a partir do comparativo interìor,ìus 'mais interior; recôndito; mais íntimo; interior etc.' e do sup. intìmus,a,um 'o mais profundo; o mais interior; completamente interior'; ver íntero-, interior- e intim-; 3) o adj. internus,a,um 'intérior, que está dentro', oposto a extérnus,a,um; ver intern-; 4) o adv. intro 'dentro (esp. de casa)' (com verbos que expressam movimento), donde 'para dentro; para o interior; dentro de; internamente', ver intro-; 5) a prep. e adv. intra 'prep. dentro de (expressando posição), no interior; dentro de (período de tempo; um limite); adv. dentro de (uma construção); próximo ao centro; para dentro', ver intra-; o pref. inter- ocorre no port. em voc. formados já no próprio lat. (interdição [<>interdictìo,ónis], intermédio [<>intermedìus], interpelar [<>interpelláre], intermitência [<>intermittentìa] etc.), já no vern. à feição erudita (interescolar, intercâmbio etc.), já nas demais línguas modernas (internacional [<>international], interferência [<>interference], intermediário [<>intermédiaire] etc.); notar a existência no próprio lat. de uma rara var. intel- por assimilação (port. inte-, graças à simplificação ortográfica), ocorrente no v.lat. intelligère 'alcançar mentalmente, compreender; discernir; deduzir etc.' (< inter + legère 'colher; recolher etc.' [ver leg-]) e em seus der. lat. (donde, no port., intelecto, inteligência, inteligente etc.); o lat. inter tb. é fonte da prep. port. entre, ver entre-“

a) Quais dentre, os vários significados apresentados, melhor caracterizam a noção de inter-texto? Porque?

b) Aponte o inter-texto entre os dois textos, ou seja, as semelhanças no conteúdo das mensagens passadas.

2) Na sua opinião, o que o autor quis dizer com “Na infância você chora, te colocam em frente da TV. Trocando suas raízes por um modo artificial de se viver”?

a) Em sua opinião, o que seria um “modo artificial de se viver”? Porque? Dê exemplos.

3) Leia o trecho abaixo retirado do texto B e responda

As crianças e os adolescentes brasileiros são provavelmente os que mais vêem televisão no mundo. Esse foi o resultado de uma pesquisa realizada pelo Instituto Ipsos (CASTRO, 2004), entre novembro e dezembro de 2003, em dez países: Brasil,Estados Unidos, México, Canadá, França, Alemanha, Itália, Espanha, Reino Unido e China a pesquisa indica que as crianças brasileiras são as mais televisuais de todas as crianças dos dez países pesquisados. Portanto, no Brasil, as crianças passam mais tempo diante da televisão e menos tempo na escola, menos tempo brincando com os amigos, menos tempo lendo entre outras atividades...”

a) Explique o sentido do seguinte trecho da música: “ Vidrados na TV, perdendo tempo em vão, em vão, em vão, em vão!” Você concorda com a idéia dos textos? Porque?

b) A repetição de palavras, é um recurso para atingir determinados efeitos de sentido no receptor do texto, que sentido você acredita que o autor tenha tentado passar na repetição do termo “em vão” no trecho em análise?( se preciso for, procure em alguma gramática o capítulo “Figuras de linguagem”, o item repetição.)

4) Sabendo que o sentido denotativo é aquele em que a palavra está sendo usada no sentido real como em: “Meu gato me arranhou”, onde o gato é realmente um felino. E sentido conotativo é aquele em que a palavra está sendo usada em sentido figurado, fora de seu sentido real como em: Ele(a) é um(a) gato(a), onde gato(a) significa uma pessoa bonita. Responda aos itens abaixo.

a) Em “Ditadura da televisão! Ditando as regras, contaminando a nação”. A palavra ditadura encontra-se no sentido denotativo ou conotativo? (se preciso, procure a palavra no dicionário)

c) O texto b afirma que a televisão tem um grande poder de influência na população. Explique a relação dessa afirmação, com o trecho acima. Retire uma frase do texto b que corrobore sua resposta. Dê outros exemplos exemplos.

5)No dicionário eletrônico Houaiss, temos a seguinte definição para “idiota”:

n adjetivo e substantivo de dois gêneros

1 diz-se de ou pessoa que carece de inteligência, de discernimento; tolo, ignorante, estúpido

2 diz-se de ou pessoa pretensiosa, vaidosa, tola

3 (1873) Rubrica: psiquiatria.

diz-se de ou pessoa afetada por idiotia

n adjetivo

4 que denota falta de inteligência, de discernimento; parado, estúpido, imbecilizado

Ex.: no seu rosto, havia uma expressão i.

5 que não tem valor, sem interesse, sem sentido

Ex.:

Após assistir e refletir sobre o vídeo do programa “Mais Você” responda:

a) Tendo em vista os significados tirados do dicionário,você concorda com a apresentadora Ana Maria Braga, do programa “Mais Você” da rede Globo, que ser idiota é a solução para ser feliz? Porque?

b) Com base em sua resposta anterior, o que você acha do trecho: “ O interesse dos grandes é imposto de forma sutil, sutil, fazendo o pensamento do povo, se resumir à algo imbecil.”

c) Imbecil, é um dos sinônimos de idiota, quem sairia ganhando com a imbecilidade, ou idiotice do povo?

6)“Fofocas, ofensas, pornografia, pornografia! Ofensas!, Fofocas! Futilidades ao longo da programação, da programação, da programação!”

a) Você concorda que haja fofocas, ofensas, pornografia, na televisão? Porque? Dê exemplos contra ou a favor.

No dicionário, encontramos a seguinte definição para “futilidade”:

substantivo feminino

1 qualidade ou caráter de fútil

Ex.: pouco faz e sabe, somente se distrai com f.

2 coisa sem valor, pequena; insignificância, ninharia

Ex.: o culto à aparência física é uma das f. dos tempos atuais

Continuando a procurar, encontraremos, no mesmo dicionário o seguinte conceito para “fútil”:

n adjetivo e substantivo de dois gêneros

1 que ou o que não tem importância ou mérito; inútil, superficial

2 que ou o que tem aspecto enganador, não inspira confiança, não tem constância; frívolo, leviano

Ex.: atitudes, gestos f.

n adjetivo de dois gêneros

3 que não tem valor; insignificante

Ex.: pretextos f., razões f.

4 que não tem fundamento, profundidade; tolo, pueril

Ex.: não conseguiu amadurecer seu projeto, acabou descartando-o por f.

b) Em sua opinião, qual destes sentidos o autor da música quis expressar? Você concorda com ele? Porque?

Dever de casa

Assista a TV e procure indícios, pistas que comprovem ou desmintam as afirmações abaixo. Anote os casos em seu caderno.

Primeiro apenas descreva: foi um comercial? Foi uma noticia de jornal? Uma cena de novela? Um programa de humor?(ou outro programa qualquer) Depois conte o que você viu e ouviu. Agora sim, quais dos itens abaixo você observou, a favor ou contra as afirmações? Como você chegou a essa conclusão? Não se preocupe, escreva, o importante é que registre seu pensamento.

a) “Futilidades ao longo da programação, da programação, da programação!”

b) “Trocando suas raízes por um modo artificial de se viver”

c) “O interesse dos grandes é imposto de forma sutil, sutil” (só precisa trazer esta questão o dia que você perceber)

d) “A TV aberta brasileira precisa vender para sobreviver e, nessa direção, se especializa. vende no horário comercial e vende durante a programação.”

Olá, venho por meio desta carta fazer uma sugestão, e ao mesmo tempo pedir permissão e apresentar os motivos que justificam meu pedido, que diz respeito aos alunos de interpretação e de produção textual.

Acredito que os alunos de produção textual não irão ser auto-suficientes de maneira satisfatória na escrita, se não forem auto-suficientes em interpretação, que não deixa de ser também “produção textual” .

Ao lado da definição de texto como a materialidade línguistica, ou seja, realização material da língua como: a sequencia de sons que compõem as palavras faladas; ou a sequencia de formas grafemas que compõem os textos escritos; ou a sequencia de movimentos manuais, corporais e faciais que compõem a língua de sinais; teremos o discurso, o conteúdo, a significação, ambos jamais se separam. Um texto sem discurso é como a seguinte palavra “aosdhfpusg” e um discurso sem texto é apenas um pensamento, mas até o pensamento realiza-se linguisticamente, é essa voz muda em seu cérebro que lhe dita as palavras que lê nesse instante. Os textos são então re-arranjos dos diversos discursos havendo espaço para o novo, que é novo, mas não é adâmico.

Todo texto faz parte e é uma cadeia intertextual porque não só no texto estão presentes, muitas vezes explicitamente, outros textos e discursos, como à esse texto, existem vários outros que o respondem, o negam, apresentam outras informações. A interpretação textual é um processo ativo, no qual o interpretador é também produtor, ao dar sentido ao texto acionando a cadeia intertextual-discursiva da qual dispõe e tomando decisões com base nessa cadeia. Qualquer um sabe que é mais fácil escrever sobre um assunto que domine. Qualquer um sabe que um católico praticante muito dificilmente aprovaria o aborto.

Considerando o último exemplo do parágrafo anterior, vemos que o discurso nos condiciona, e interfere inclusive em nossas atitudes, se o nosso estudante perceber como os discursos afetam seus próprios pensamentos e ações, ele terá condições de escolher se quer ou não aquele discurso/idéia/valor/percepção de mundo. E eu acredito que é isso que se pede nas tais redações do ensino médio, as temidas dissertações. Tomada de posição e sustentação coerente dessa posição, para ambos o nosso aluno terá de: analisar os diversos discursos que só existem atreladas ao texto, e escolher a melhor alternativa. Para sustentar a tomada de posição a mesma coisa. Para interpretar a mesma coisa. Eu acredito que botar o menino para escrever, que é um processo complexo, sem fornecer subsídios, o intertexto, é impraticável.

Os exercícios que proponho tentam aliar a experiência cotidiana do aluno, o senso comum (na acepção não pejorativa do termo) e o gênero formal, os exercícios que se seguem tentam fazer com que o aluno participe na construção de seu entendimento do texto, com base em dados da realidade perceptíveis por meio da observação direcionada, sendo o aluno requisitado com frequência para a tomada de posição e sustentação das mesmas, o que implicará redações honestas, embrionárias das dissertações. A discussão da temática TV, não se restringiria, apenas ao exercício apresentado, em continuação a esse haveria o trabalho com a poesia “presenti disagradave” do Patativa ( autor que aparece em algum dos livros de português) e algum texto de gênero formal, que apresentem-se em grande inter-texto, com outras questões que o exercício aqui apresentado não pôde abordar.

Ao final de todos esses textos, ( 4 principais, e mais pequenos textos auxiliares) passaremos para escritura de um texto dissertativo-argumentativo. Primeiro terei de gastar, no máximo uma aula com os alunos para lhes mostrar a estrutura do texto dissertativo-argumentativo, teremos que analisar os textos e explicitar a estrutura, para isso é importante ler vários textos, é preciso não ter uma pressa exagerada nessa parte, é preciso calma, pois o passo seguinte será transformar as respostas dos exercícios nessas estruturas, transformar as respostas em uma dissertação-argumentativa sobre o tema: “A qualidade da TV brasileira”, ou “TV: Realidades X Possibilidades.”, ou qualquer coisa, vai depender do aluno.

Por esses motivos acredito na importância, senão necessidade, de se trabalhar com várias fontes de informação, vários gêneros ( texto escrito, televisão, música, entrevista) e nem todos os textos dos livros didáticos se adequam a esse propósito, são textos que muitas vezes dizem pouco ou nada á vivência do aluno, que não despertam neles necessidade real de elaboração, uma reflexão séria, não estou dizendo que é fácil, mas digo a) não tem de ser fácil, b) temos aqui alguns alunos muito inteligentes, com grande potencial, que têm condições sim de fazer esse trabalho, há outros que necessitam de começar esse tipo de trabalho, pois que é em minha opinião de estudante do curso de letras, professor de português, e já era nessa direção quando eu estudava no ensino regular, a condição necessária para uma produção de texto auto-suficiente e independente.

Para execução deste plano de aula, será necessária a utilização de lap-top e head-phones (músicas e vídeos) os quais eu possuo. O exercício pode parecer um pouco extenso, mas não há problema em se demore duas aulas para se completá-lo, pois são dois textos principais, e alguns auxiliares que estarão sendo trabalhados ao mesmo tempo.

Por último dizer que não quero fazer revolução nenhuma aqui, e se julgarem que o tipo de exercício proposto não se adéqua à realidade e finalidade da emprese, entenderei. O que elaborei é fruto de minha concepções de educação, que não têm de necessariamente entrar em consonância com a concepção de vocês, desde já grato pelo tempo dispensado, abraço, Kainã Aguiar Ferreira.

TEXTO B

A INFLUÊNCIA DA TV NA VIDA DAS PESSOAS

Tire a televisão de dentro do Brasil e o país desaparece”, diz Eugênio Bucci, presidente da Radiobrás, co-autor do livro Videologias e ex-diretor de redação da revista Superinteressante. O assunto a ser tratado neste texto é justamente ela, a televisão. Um aparelho que está presente, direta ou indiretamente, na vida de todos e que exerce um papel determinante na formação e nas atitudes de toda a sociedade, exercendo fascínio em uns e repulsa em outros. A televisão, hoje, mostra o mundo ao vivo e a cores. Cenas do planeta desfilam sob nosso olhar e atiçam a sensibilidade e inteligência. Fatos dispersos se sucedem sem nexo e inexplicáveis para a imensa maioria da população. Imagens fragmentadas e incompreensíveis do mundo em que vivemos. Planeta de imensos contrastes econômicos e sociais. De um lado, o desenvolvimento do saber, da ciência, dos avanços tecnológicos e da riqueza. De outro, o contraste da pobreza, da ignorância e da miséria da grande maioria da humanidade. Atualmente as pessoas utilizam os meios de comunicação como meio de companhia na sociedade individualista em que vivem. A televisão preenche o vazio social e é utilizada pela maioria das pessoas como uma fuga para as dificuldades do cotidiano. Os problemas do dia-a-dia são maquiados pela diversão televisiva. Calcada em um modelo comercial, estruturada sobre um sistema de grandes redes, a TV aberta brasileira precisa vender para sobreviver e, nessa direção, se especializa. vende no horário comercial e vende durante a programação. Vende produto, mas para garantir o Ibope, entreter e fidelizar o público, vende também idéias, valores e conceitos. Sem William Bonner, Xuxa ou Sinhozinho Malta, nossas roupas, jeito de falar, famílias e a imagem que temos do lugar em que vivemos seriam diferentes. Diante disso, percebemos que a TV está presente na vida da maioria das pessoas e pode exercer grande influência em todas elas. O que nos cabe, portanto a investigação de como essa influencia se dá. De acordo com dados de 2003 divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) 11,6% da população brasileira com 15 anos ou mais é analfabeta, ou seja, tem a televisão como uma das únicas fontes de informação. Aquilo que é apresentado na telinha torna-se verdade absoluta para aqueles que não possuem outros referenciais informativos ou repertório que lhes permita fazer uma leitura crítica do meio. Neste caso, portanto, a TV é um meio de comunicação ditador de regras, modas e estilos. Seguindo essa linha de pensamento, para muitos, a televisão introduz novas idéias e apresenta oportunidades para desvendar fatos que seriam desconhecidos, caso não fossem transmitidos pela TV. Por exemplo, lugares que muitos não poderiam visitar guerras, personalidades internacionais, entre tantas outras coisas que não estão ao alcance de grande parte da população, tornando-se conhecidos por estarem sempre na televisão. Os comportamentos também são alterados pelo que é veiculado neste meio. Desde o uso de uma simples roupa até uma mudança na escolha política, a televisão é apontada por muitas pessoas como o indicador dos caminhos a serem seguidos. Muitos estudiosos e especialistas afirmam que a televisão é um meio que não possibilita a interatividade do telespectador**. As pessoas tornam-se passivas perante suas transmissões. Mas isso pode ser modificado a partir do momento em que a sociedade se tornar consciente dos seus direitos, interferindo ativamente na programação ou no que é veiculado. Muitos não têm conhecimento de que toda a população pode e deve intervir, já que a televisão é uma concessão pública. Verificamos, porém que a falta de um órgão regulamentador do meio dificulta o controle social dos conteúdos que veicula. A partir daí, constatamos a importância das Organizações Não-Governamentais, que exigem responsabilidade das emissoras. A maioria da população brasileira tem na TV sua principal fonte de informação, não por ser um meio manipulador de idéias, mas porque vivemos em um país em que as pessoas não possuem acesso a outras fontes, devido às suas condições financeiras e à falta de educação e politização. Qualquer um de nós está sujeito a ser influenciado pela televisão, assim como por qualquer outra mídia, dependendo do repertório de cada um e do meio em que vivemos. A televisão tem um papel importante na formação das pessoas e pode levá-las a refletir sobre a vida e sobre a sociedade em que vivemos. As crianças e os adolescentes brasileiros são provavelmente os que mais vêem televisão no mundo. Esse foi o resultado de uma pesquisa realizada pelo Instituto Ipsos (CASTRO, 2004), entre novembro e dezembro de 2003, em dez países: Brasil,Estados Unidos, México, Canadá, França, Alemanha, Itália, Espanha, Reino Unido e China a pesquisa indica que as crianças brasileiras são as mais televisuais de todas as crianças dos dez países pesquisados. Portanto, no Brasil, as crianças passam mais tempo diante da televisão e menos tempo na escola, menos tempo brincando com os amigos, menos tempo lendo entre outras atividades. Em suma, o que podemos deduzir de acordo com nossas pesquisas é que a televisão também serve tanto para entreter como para (des) informar e (des) educar.

(http://pt.shvoong.com/humanities/1745006-influencia-da-tv-na-vida/) RETIRADO EM 9 DE AGOSTO DE 2009

DITADURA DA TELEVISÃO (PONTO DE EQUILIBRIO)

Na infância você chora
Te colocam em frente da tv
Trocando suas raízes
Por um modo artificial
De se viver

Ninguém questiona mais nada
Os homens do poder
Agora contam só piadas
Onde só eles acham graça
Abandonando o povo na desgraça
Vidrados na tv
Perdendo tempo em vão, em vão, em vão, em vão!

Ditadura da televisão!
Ditando as regras, contaminando a nação
Ditadura da televisão
Ditando as regras, contaminando a nação

O interesse dos grandes
É imposto, de forma sutil, sutil
Fazendo o pensamento do povo
Se resumir a algo imbecil
Fofocas, ofensas, pornografias
Pornografias, ofensas, fofocas!
Futilidades ao longo da programação, da programação, da programação!

Ditadura da televisão!
Ditando as regras, contaminando a nação
Ditadura da televisão
Ditando as regras, contaminando a nação!

Numa manhã de sol ao ver a luz
Você percebe que o seu papel é resistir, não é?
Mas o sistema é quem constrói as arapucas
E você está prestes a cair .. ô ié

Da infância a velhice
Modo artificial de se viver
Alienação
Ainda vivemos aquela velha escravidão
Aquela velha escravidão. Aquela velha escravidão

Escravidão

Ditadura da televisão!
Ditando as regras, contaminando a nação.


Mensagem de Ana Maria Braga em seu programa “Mais Você

“E ai eu vou falar nessa mensagem de hoje, eu escolhi exatamente para falar de felicidade. Pra você buscar... Quer analgésico melhor, melhor do que felicidade? È idiotice né ?! A idiotice é vital... È... você ser meio idiota é legal pra você ser feliz. Deixa a seriedade pra aquelas horas onde é inevitável né? Tem horas que realmente você tem de ficar sério: mortes, separações, dores e afins, no dia-a-dia, pelo amor de Deus, vamos ser idiotas! Essa é a proposta aqui.”

Esse vídeo foi retirado do youtube, como parte do quadro TOP FIVE, do programa CQC, esse vídeo pode ser conferido no site www.youtube.com, com a palavra-chave: “top Five 28/07/08” ou no link: http://www.youtube.com/watch?v=5ZGy_VQmf0g

Cultura Surda?


Estas linhas são minhas reflexões (provisórias, falhas, porém sinceras) acerca do conceito de etnicidade proposto por Ross, citado no texto “Bilinguismo: línguas em contato”. Diz ele que os pontos definidores de etnicidade são: a língua, modo de vestir, e religião. Critérios estes muito práticos e pragmáticos, realmente quando pensamos nas diferentes culturas ao redor do mundo nos vêm exatamente esses pontos, a minha questão no entanto é: Em um mundo em processo de globalização, em certos aspectos homgeneizantes, até que ponto, roupas poderão servir como critério distintivo infalível, falando-se em etnias? Nos vestimos tão diferentemente assim dos americanos, franceses, portugueses, gregos? Essa resposta não posso dá-la com certeza, mas acredito que não. Nossas religiões poderão servir também como critério? Não serão todos países citados seguidores (com boa participação) dá fé cristã, católica ou protestante? E se não o forem, no Brasil temos uma diversidade religiosa incrível, e ainda sim somos todos brasileiros. Por último, e muito mais problemático a língua, esse é com certeza um ponto central nas discussões sobre etnia. Apenas para continuarmos o raciocínio seguido até agora, imaginemos que sob certo conceito de língua, Portugal e Brasil falam a mesma língua. Dessa maneira teríamos as seguintes coisas em comum com os portugueses:

1- Vestimenta (ao menos em certas situações sociais comuns às duas culturas, como escritório por exemplo)

2- Religião (Portugal e Brasil contam com boa participação da religião católica em seus territórios)

3- Língua, a língua portuguesa (Lembrando-se que língua é um conceito muito amplo, não tornando incorreto dizer também que português europeu e português brasileiros são línguas diferentes, depende do enfoque ora utilizado)

Seríamos então, nós e os portugueses a mesma etnia? Esta é uma pergunta retórica e a resposta é obviamente não. Claro está também que eu procedi a uma utilização bastante direcionada, conveniente para meus objetivos, dos conceitos apresentados. O que me incomoda é: está a minha leitura muito paranóica, encontrando “pelo em ovo de galinha” como muito bem resume o ditado popular, ou de fato pode-se, levando às últimas consequências o conceito de etnicidade proposto pelo autor, chegar-se ao raciocínio por mim apresentado? Em caso de resposta afirmativa à última pergunta o conceito por ele apresentado é estreito, não se prestando a uma generalização ótima dos fatos, carecendo por isso de reforço.

Digo reforço, por considerar que os critérios utilizados pelo autor são na verdade muito bons, mas vivemos numa realidade em processo de mudança, de apagamento, talvez, de algumas dessas diferenças, e por acreditar que existem outros fatores que venham a completar o sentido de etnicidade. Aos quais passo a seguir.

Para mim, etnicidade é um sentimento de pertencimento a algum grupo social, amplo, porém definido. Dentro desse grupo o sujeito de certa forma se “vê” e se reconhece no outro, e cria assim um “nós” esse “nós” só pode existir, no entanto, em diferenciação a um “eles”. Esse reconhecimento no outro, e a criação de um nós, pressupõe uma história e uma vivência em comum, as quais só se darão na interação social. Para seres interagirem (hoje em dia, não necessariamente) precisam dividir um espaço físico (o que figuraria como um critério geográfico ao falarmos de etnicidade). Para interagirem, além de estarem no mesmo espaço físico, terão de utilizar-se de uma língua, e é por isso que este é um conceito essencial na presente discussão. A língua cumpre a importante função de servir como instrumento de interação entre os seres, proporcionando a criação de laços afetivos, a vivência de experiências em comum, a transmissão de valores morais e tecnologias, isso tudo são coisas que a língua reflete, mas a língua não apenas diz a realidade, como também a tece. Então a lingua não só passa adiante uma vivência, história em comum, ela é, também, em mesma*, uma história e vivência em comum. Por todo dito, considero que a língua desempenha papel crucial não só no sentimento de pertencimento a algum grupo social, como na própria constituição desse grupo social. Relacionarei no próximo parágrafo, esta discução com a situação dos surdos brasileiros.

Pelo acima discutido pareceria dúbia a minha posição em relação à questão de se os surdos compõem ou não uma etnia, ou uma cultura a parte, pois se para mim etnia é um sentimento de pertencimento, e eu acredito que os surdos se sintam brasileiros, e se língua tem um papel central nesse sentimento, e os surdos têm uma outra língua, teriamos um conflito no conceito. A minha tese no entanto é: os surdos vivem numa situação cultural ímpar. Segundo Gladis Dalcin, em seu “Um estranho no ninho: um estudo psicanálitico sobre a constiuiçã da subjetividade do sujeito surdo” constante em “Estudos Surdos Volume I” organizado por Ronice Muler Quadros, o surdo sente-se um estrangeiro dentro de sua familia, isso ocorre devido a barreira da linguagem, o que faz com que o surdo não possua o mesmo tipo de identificação familiar que possui um ouvinte, e que essa identificação se dará, no caso dos surdos, no seio da comunidade surda. Na página 188/9, pode-se ler:

A lei que apresentava uma vigência significante era aquela organizada pela comunidade

surda, colocando a família de origem num lugar secundário, já que eles se definiam como estrangeiros em relação ao núcleo familiar. As identificações centravam-se em torno da comunidade surda, na qual o reconhecimento de si passava pelo sinal próprio (recebido da comunidade surda) e não pelo nome próprio (recebido da família).

Diante dessa situação, a pesquisa buscou situar e investigar como o surdo filho de pais ouvintes internaliza a cultura familiare de que maneira essa internalização colabora para a formação de sua subjetividade. Para a análise, foram levados em consideração a diferença de língua e de cultura, o sentimento de “estrangeiro” que os surdos afirmaram sentir em relação a sua família de origem e, de maneira inversa, o seu sentimento de “familiaridade” quando

encontraram a comunidade surda, que denominaram de sua “família”. Delineou-se, também, a necessidade de se pesquisar de que maneira esse sentimento de “estrangeiridade” interfere na

identificação do surdo com sua família de origem e que efeitos tem na constituição de sua subjetividade.”

Mesmo com o dito no parágrafo anterior, mesmo com esse sentimento de estrangeiridade manifesto pelo surdo, acredito que se houvesse um congresso mundial de surdos, e fossem para lá um grupo de surdos brasileiros, estes se identificariam a mesmos como um grupo, um “nós” em diferenciação/oposição a outros grupos, a “eles” e essa oposição entre “nós” e “eles” não se daria com base em ser surdo, ou não. Se lhes fossem perguntado: “Vocês são o que?”. Acredito que responderiam: “Somos brasileiros”. E é exatamente essa a situação ímpar, contraditória e complexa dessa minoria linguística, ao mesmo tempo em que eles se veem, e não podemos tirar sua razão de assim se verem, como possuidores de uma cultura diferente, como estrangeiros dentro da própria família, eles são brasileiros. Estão por ai, nos ônibus, mêtros, shoppings, escolas, estamos juntos torcendo pela mesma seleção, gostamos de arroz e feijão, mcdonnalds e cachorro quente da esquina, moramos no mesmo país, somos formados por africanos, portugueses, índios, e uns italianos aqui, uns japoneses acolá, uns alemães lá em baixo. Um bebê surdo ganhará roupas azuis, e uma bola, uma bebe surda roupas rosas e uma boneca. Como se vê tal questão é de fato complexa, e acaba criando um ciclo vicioso. Como se cria e transmite cultura se não for pela língua? Se surdo e ouvinte não dividem um código, como podem então partilhar uma cultura? Se a barreira da diferença linguistica é obstaculo para esse compartilhamento, não é, necessariamente, um obstáculo intransponível, pode haver troca graças à capacidade da linguagem.

Parece-me impossível prosseguir o debate do presente tema, resumido em “Os surdos têm um cultura própria? Existe uma cultura surda?” sem discutirmos “ o que é cultura?”. Sem a pretensão de reduzir cultura ao exposto por mim e sabendo das minhas limitações frente a assunto tão complexo, acredito que a cultura pode ser entendida como o modo pelo qual nos relacionamos com a realidade e nessa relação a (re)criamos, (re)significamos e (re)estrturamos e do lado inverso somos (re)criados (re)significados e (re)estruturados. Isso envolve a realidade social e a realidade fisíca, havendo uma interação intensa entre esses dois elementos. O modo como a realidade fisíca nos afeta repercute no modo como nos relacionamos com nossos pares, e o modo como nos relacionamos com nossos pares repercute no modo como a realidade física nos afeta, e consequentemente como lidaremos com ela, não havendo espaço aqui para determinismos no sentido de que caracteristica “A” da realidade física resultará em característica “A” da realidade social. O que quero dizer com esta discussão é que vivemos em um mundo bio-social, onde o biológico (sentido amplo) interfere no social, e o social interfere no modo como nos relacionamos com o biológico, com o físico, dialogicamente. Tendo essa dimensão do conceito cultura como pano de fundo não se pode dizer que os surdos mantêm uma relação com a realidade física diversa da nossa, ouvintes? E que graças a essa relação diferente com a realidade fisica eles tenham uma percepção da realidade social diferente da nossa? Por conta dessa especificidade física, não podem os surdos estruturar e (re)criar a realidade de um modo diverso do nosso, justificando-se então a afirmativa de que os surdos possuem (também) uma cultura diferente da nossa, ouvinte? Com isso não quero dizer que os surdos compõem uma sociedade à parte, conforme já discutido anteriormente. Portanto ao falarmos de cultura surda, não devemos colocá-los todos sob o mesmo rótulo, estaremos falando da cultura surdo-brasileira, surdo-francesa, surdo-norteamericana, ou, cultura dos surdos brasileiros, dos surdos franceses, dos surdos norteamericanos etc....

Partindo da hipótese de que existe uma cultura surda, a próxima pergunta seria: O que é então a cultura surda de fato? Para começar a responder esta pergunta comecei a ler o livro “As imagens do outro sobre a cultura surda” da autora surda (e brasileira, diga-se de passagem) Karin Strobel, lançado pela editora UFSC, em 2008, procurando indícios concretos do que seria essa “cultura surda”. A seguir passo a relatar o que encontrei nesta leitura.

página 17 a autora diz: “Conforme afirma Hall (1997), nas teorias dos Estudos Culturais, a cultura que temos determina uma forma de ver, de interpelar, de ser, de explicar e de compreender o mudno.” Em seguida, na página 24, chegamos ao ponto em :

“Cultura surda é o jeito de o sujeito surdo entender o mundo e de e modificá-lo a fim de torná-lo acessível e habitável ajustando-os com suas percepções visuais, que contribuem para a definição das identidades surdas r das almas das comunidades surdas. Isto significa que abrange a língua, as idéias, as crenças, os costumes os hábitos de povo surdo.”.

Mais a frente, na página seguinte lemos:

“ O essencial é entendermos que a cultura surda é como algo que penetra na pele do povo surdo que participa das comunidades surdas, que compartilha algo que tem em comum, seu conjunto de normas, valores e de comportamentos.” .

Temos, até então, para a autora que: “cultura surda é o jeito surdo de ser e compreender o mundo.” A próxima pergunta lógica seria: "o que é o jeito surdo de ser e compreender o mundo?” "No que eles diferem de mim, ouvinte, para que se possa falar em cultura surda?" A autora nos mostra o que chama de “artefatos culturais do povo surdo” que seriam as “peculiaridades da cultura surda (página 37). Elenco a seguir alguns desses artefatos.

O primeiro artefato cultural analisado pela autora é a “experiência visual”, diz ela na página 38:

“O primeiro artefato da cultura surda é a experiência visual em que os sujeitos surdos percebem o mundo de maneira diferente, a qual provoca as reflexões de suas subjetividades: De onde viemos? O que somos? E para onde queremos ir? Qual é a nossa identidade?” .

Na próxima página, lemos a citação de Perlin e Miranda (2003, p.218):

“Experiência visual significa a utilização da visão, em (substituição total à audição), como meio de comunicação. Desta experiência visual surge a cultura surda representada pela língua de sinais, pelo modo diferente de ser, de se expressar, de conhecer o mundo, de entrar nas artes, no conheciemento científico e acadêmico.”

A autora nos relata, na página 38, de uma experiência particular bastante ilustrativa: Por ocasião de seu aniversário, seu namorado havia lhe preparado uma surpresa: iria levá-la a um restaurante “bem romântico” vejamos o que ela nos diz :

“[...] Era um ambiente escuro com velas e flores no meio da mesa, fiquei meio constrangida porque não conseguia acompanhar a leitura labial do que ele me falava por causa da falta de iluminação, pela fumaça de vela que desfocava a imagem do rosto dele, que era negro; e para piorar, havia um homem no canto do restaurante tocando musica* que, sem poder escutar, me irritava e me fazia perder a concentração por causa dos movimentos de vai-e-vem com seu violino. O meu namorado percebeu o equivoco* e resolvemos ir a uma pizzaria.”.

Vemos no caso relatado como a específicidade física da surdez provoca uma relação diferente com a realidade física (o restaurante) e como a realidade física interferiu na realidade social, pois o que seria considerado “romântico” pela maioria das pessoas ouvintes (um jantar à luz de velas) para os surdos é potencialmente uma experiência desagradável. Acredito que o conceito do que vem a ser “romântico” é cultural, e esse exemplo, arrisco dizer, mostra uma diferença no modo de ser surdo em relação ao ouvinte. Um outro exemplo por ela trazido é:

“Tem algumas atitudes acerca da percepção visual entre sujeitos surdos, por exemplo, durante a conversa ficar de frente a frente é uma circunstância muito valorizada pelo povo surdo, não importando a distância, por isso eles evitam virar as costas enquanto estão em interação; se isto ocorre é considerado como insulto, ou desinteresse. Também quando estão conversando distantes um de outro e alguém “corta” neste espaço visual ficando de obstáculo no meio, é considerado uma grave falta de educação para a comunidade surda.” (página42)

O que vemos aqui são regras de conduta social, ou seja, culturais, condicionadas pela especificídade da surdez.

Na página 51, a autora versa sobre o isolamento familiar do qual o surdo é acometido quando integrante de família ouvinte, basicamente o que também nos diz Gladis Delcin em “Um Estranho no Ninho” supracitado. Esse sentimento de não pertencimento ao núcleo familiar, poderia ser considerado traço cultural contrastante? Não sei, deixo aberta a questão.

Mais a frente autora discute um outro “artefato cultural”: a literatura surda. Ao falar sobre piadas, na página 59, diz:

“Estas piadas da cultura surda muitas vezes podem ocorrer sem que a comunidade ouvinte as compreenda e/ou nas as achem engraçadas e vice-versa: o povo surdo também não compreende as piadas da cultura ouvinte. Isto ocorre porque os sujeitos surdos usam nas piadas os artefatos culturais do povo surdo, enquanto para o povo ouvinte, a temática da língua portuguesa e versões sonoras são mais importantes.”.

Acredito que o humor de uma piada é condicionada e faz referência à cultura da qual faz parte.

Seguindo com a leitura nos deparamos, na página 62, com:

“[...] Ser filho de pais surdos é extremamente respeitável no circulo deles, como cita o Wrigley (1996, p.15):

"A partir de uma visão dos Surdos, o ato politizado de alegar uma surdez “nativa” – ou seja, uma surdez de nascença – está ligado à identidade positiva de não estar “contaminado” pelo mundo dos que ouvem e suas limitações epistemológicas do som sequencial. A “pureza” do conhecimento dos Surdos, a verdadeira Surdez, que vem da expulsão desta distração é na cultura dos surdos uma marca de distinção. Seria melhor ainda se os familiares e até mesmo seus pais fossem também Surdos.” "

Entre nós, ouvintes, o fato de sermos filhos de pais ouvintes não causa nenhuma distinção social significativa, embora acredite que aqui acontece algo semelhante a ouvintes e surdos. Um ouvinte se considera normal, e gostaria que seu filho fosse normal, igual a ele, o surdo quer a mesma coisa, para ele o normal é a surdez, e ele também vai querer um filho normal, isto é, igual a ele. De fato, a existência de uma língua em comum no núcleo familiar é de suma importância para a criação de laços afetivos. Com efeito, de que forma poderá uma pessoa saber o que é “amor materno” se ela nem ao menos entende o conceito de mãe? Como poderá ela entender o conceito de mãe, se sua linguagem foi reduzida a gestos caseiros, centrados no aqui e agora, no trivial? Tendo muitas vezes como únicos interlocutores mãe e irmãos? É o que ocorre quando, pelas razões que forem, o surdo não tem acesso à lingua de sinais, ou oralização (largamente criticada porém não podemos descartá-la, em última instância, como forma de acesso à linguagem) o que constitui-se numa deficiência linguística socialmente construída, pois a faculdade da linguagem, o potencial para desenvolver língua estava ali, perfeito, mas o social não propiciou as condições necessárias, a interação . Então é muito natural que um ouvinte fique feliz de ter um filho ouvinte, e um surdo feliz de ter um filho surdo, mas será que os conceitos de perfeito/imperfeito de surdos e ouvintes são diferentes? Em caso positivo, seria devido a uma diferença cultural?

Mais à frente lemos, na página 83, que a música não faz parte da cultura surda (por razões óbvias, diga-se de passagem), a relação de um povo com a música é cultural?

Finalizando, transcrevo da página 31 o seguinte conceito para povo surdo:

“Quando pronunciamos “povo surdo”, estamos nos referindo aos sujeitos surdos que não habitam no mesmo local, mas que estão ligados por uma origem, por um código ético de formação visual, independente do grau de evolução linguistica, tais como a lingua de sinais, a cultura surda, e quaisquer outros laços.”

Resumindo a discussão: existe uma etnia surda? Não. Os surdos se encontram numa situação cultural ímpar? Sim. Existe concomitantemente a uma cultura brasileira, uma cultura surda, estando então os surdos inseridos em duas culturas diferentes? Talvez.

Agradeço por seu tempo, leitor(a), e espero ter atingido meus objetivos nesse texto, os quais:

1) Discutir o conceito de etnicidade, expondo o que me incomodava.

2) Falar sobre o que eu entendo por etnicidade e

3) Discutir a situação do surdo nesse contexto.

Com isso me despeço, abraço, Kainã Aguiar Ferreira